quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Aquela dos 21

"Se por um lado as crises são vistas como momentos perigosos e decisivos, por outro lado são identificadas como oportunidades de crescimento, de transformação para melhor."


Eugênio Mussak -  A vida cheia de curvas




Sempre gostei do número 21. Talvez porque meu aniversário seja no dia 21. Mas eu nunca fui muito de comemorar aniversário, então talvez não tenha muito lógica, ou até tenha e eu que não queira admitir. A idade que mais gostei de viver foi meus 21, talvez porque a faculdade estava acabando, eu andava com um carro zero (meu) sonho de consumo pra cima e pra baixo, ou porque eu já tinha viajado pra alguns lugares bacanas, conhecido pessoas excepcionais, me decepcionado grandiosamente no amor e lido uma dúzia de excelentes livros. Mas essa minha paixão pelo número 21 deve ser de vidas passadas. Olho no relógio?  6h21m/7h21m/16h21m/21h05m. O 21 tá sempre ali, marcando presença em todo lugar.

Quando comecei a correr - sim, lá vem aquele papo xiita "quando eu....", nunca imaginei que chegarei a fazer 21k. O objetivo era 5k correndo ininterruptamente, depois passei para 10k, até que um dia encasquetei que queria fazer 21k. Sim, eu fiz, mas foi num baita sofrimento, num calor de derreter gordura localizada. E depois dessa experiência tenebrosa, eu conclui que, jamais voltaria a fazer essa quilometragem novamente.

Daí uma amiga meia maratonista assumida, me convidou pra Meia Maratona do Lobisomem. Corrida super seleta. Ela me garantiu que, se eu ficasse em último lugar, teria um limpa-trilha (uma pessoa de bicicleta monitorando se ninguém ficou pra trás) atrás de mim. E eu rezei fervorosamente para que o limpa-trilha nem de longe fosse como o Léo. E ela deixou em aberto que, se eu não aguentasse, eu poderia desistir da prova a qualquer momento, pois nos pontos de apoio teriam resgates. Me senti mais confortável com isso. Não haveria pressão.

Foi difícil levantar às 5 da matina em pleno feriado, depois de dois dias hibernando ao som da chuva. O vento era gélido, mas eu queria ter a certeza de que os 21k não era pra mim. Ou minha primeira experiência foi desastrosa ou definitivamente eu não era longuista nem velocista,  e sim uma fingista de primeira mesmo.

Nos reunimos para tirar a foto do grupo e a contagem regressiva foi coletiva. Tinha gente de todas as idades, todos os biotipos, de todos os objetivos. Desejei boa prova pra Vivi, e ela pra mim. Foi dada a largada e eu estava estranhamente calma. Talvez por todo o conforto que recebi: pontos de hidratação a cada 3k, opção de abandonar a prova a partir do quilometro 9, a paisagem maravilhosa ao meu redor. Segui o fluxo. A Vivi? Sumiu de vista. A galera foi dispersando, e eu fui contando os passos, ganhando brigas internas, lavando roupas sujas, me livrando de velhas mágoas, me superando a cada quilometro concluído.

Quando dei por mim estava no quilometro 12 e ainda tinha fôlego e força pra seguir em frente. Fui avante, um passo de cada vez, mais leve do que o início da corrida. E veio a ladeira de 2,5k pra me dar o baque final. Ali foi o momento que a criança chorou desesperadamente e a mãe não viu. Foi ali que me despi das minhas bagagens emocionais mais antigas, eu precisava enfrentar a ladeira sem os pesos que me limitavam. Perdoei tanta gente naquela ladeira, me perdoei por tantas coisas, que quando cheguei no final dela estava sem força e oca, e aquele penúltimo ponto de hidratação foi a luz no fim do meu túnel. Me sentia leve, mas estupidamente esgotada. A ladeira foi uma limpeza tão brusca ao meu psicológico que, afetou diretamente meu físico. Era o quilometro 17 e eu pensei em desistir, parar por ali mesmo. Já tinha me superado de muitas maneiras. Estava super orgulhosa do resultado. Mas no fundo eu queria continuar, e fui avisada que daquele ponto em diante era só descida, ou seja, libertação.

E continuei. Contei até 100 com o pé direito. Até 100 com o pé esquerdo. 100 nomes com a letra A. E depois com a letra B, depois com a letra C. Passei em frente ao sítio de um grande amigo, anotei na minha agenda mental de ligar para eles, para saber se estão bem (ele e esposa). A esperança me acometeu e eu sabia que estava chegando ao fim. Apertei o passo e alcancei um senhor que estava há cerca de 1 quilometro na minha frente. Ele queria andar, e eu falei que faltava pouco e que terminaríamos juntos. Era a primeira vez que ele fazia 21k. Olha eu sendo solidária na reta final, retribuindo a solidariedade de tantas pessoas que já passaram por mim em corridas que eu não aguentava mais dar um passo, e me confortaram com palavras de incentivo.

Terminei a prova abaixo do tempo esperado. Mas terminei. A Vivi estava toda orgulhosa do meu desempenho. Eu estava exausta, mas levemente feliz,  descobri que o numero 21 sempre estará entrelaçado na minha vida. Seja na data do aniversário, ou nas horas vistas, ou na quilometragem corrida. O 21 faz parte de mim e eu dele e essa aceitação já basta.

Sim, estou completamente apaixonada pelos 21k. Sei que a próxima vez será menos sofrida e assim por diante. E eu estou muito feliz de ter me libertado de velhas amarras enquanto percorria um percurso maravilhosamente lindo que me energizava a cada passada.

Um viva aos 21. De todos os âmbitos. Que transformam a minha vida, me transmutam de tal forma, que eu só consigo agradecer!