sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Vontade Inoportuna

" Sempre gostei da palavra "resiliente", que é a capacidade de enfrentar as dificuldades sem sucumbir a elas."

John Boyne - Noah foge de Casa




Eu nunca tive vontade de chorar. Já tive vontade de gritar, de comer comida japa, de viajar, de dar uma voadora, de comprar todos os livros do mundo, estourar o limite do meu cartão de crédito com roupa, de almoçar pizza. Mas de chorar, até ontem, eu não tinha. E quando bateu a vontade de chorar com aquele e-mail, eu fiquei com vontade de ir pra casa, comer brigadeiro, bolinho de chuva, assistir Harry Potter (a maratona mesmo - pela milésima vez) e chorar. Mas eu engoli o choro e a vontade aumentou. E eu não podia chorar, não na frente de tanta gente, não com o dia pela metade, não em plena quinta-feira. 

Chorar sempre foi algo insperado. Quando via, já estava chorando. Mas logo passava. O choro de raiva é passageiro, o de alegria também. Mas chorar de tristeza é terrível, torturador, massante. Dá até raiva, dai o choro passa para o nível 02. Daí você já vai para o nível 03 com raiva dos olhos de sapo que ficará, do questionamento ininterrupto que as pessoas farão, do dinheiro que você definitivamente não tem pra ir chorar em Paris, e da coragem que você também nem ousa ter, em chorar sem culpa, sem preconceito, sem pudor, sem cerimônias. 

E eu sinto uma inveja danada dessas crianças que choram sem vergonha onde quer que estejam. Eu sempre tive vergonha de chorar. Mas nem por isso deixei de chorar. Mas hoje eu estou com uma vergonha absurda de sentir vontade de chorar. Porque eu lembro que, quando criança e eu vinha com manha de querer chorar, a minha mãe fazia questão que eu chorasse com vontade (com uma bela chinelada na bunda, é claro!), mas esse, impreterivelmente, não era o caso. E nem tinha como fugir correndo dessa vontade abstrata, já que da minha mãe com o chinelo eu conseguia fugir (e olha que minha mãe, involuntariamente, me incentivou a correr deste pequena > correr da surra<).

Daí tranquei essa vontade rebelde no armário debaixo da escada lá no meu íntimo. E fingi que não estava escutando toda a baderna que essa cretina estava fazendo dentro de mim. Ô bichinha rebelde e sem educação! Mas ignorei ela o restante da tarde.

No intuito de acalmá-la, fui correr. Pra ver se ela finalmente ia embora. E não é que ela me enganou direitinho? Eu já estava feliz da vida, achando que ela tinha ido e eu tinha vencido. Fui ver a Belinha (que por sinal me amou) e depois voltei pra casa como se nada tivesse acontecido. 

Ao me deitar, a bendita vontade chegou com tudo. A única coisa que pude fazer naquele momento foi me render, deixar ela fazer o que queria, sem lutar bravamente, na esperança de que o novo dia fosse mais tranquilo e sereno, e sem ela me rondando feito um detetive. 

Não era falta de coragem. Era falta de luto, de compaixão, de solidariedade comigo mesma. Era a negação interna de que tudo era apenas um grande pesadelo. Era um excesso de resiliência que até eu mesma desconhecia. 

Ao acordar, abracei a realidade como uma velha amiga e a vontade inoportuna se foi (por ora).